A busca pela quantidade ideal de proteína diária para otimizar o crescimento muscular é um dos temas mais discutidos na comunidade de musculação e no mundo fitness em geral. Até recentemente, acreditava-se que o corpo humano tinha um limite eficiente de absorção de proteínas por refeição, geralmente fixado em torno de 25g a 40g. No entanto, novas pesquisas estão desafiando esse paradigma, sugerindo que o corpo pode, de fato, aproveitar quantidades muito maiores de proteína de uma só vez.
Não adianta comer mais do que 40g de proteína de uma só vez. Será?
Até dezembro de 2023, muitos estudos indicavam que o corpo humano atingia um ponto máximo em torno de 40g de proteína por refeição. Inclusive, algumas pesquisas propunham limites ainda mais conservadores, como 0.4g de proteína por quilo de peso corporal.
Inclusive, esse acabou se tornando um dos maiores argumentos pra aquela ideia de fazer muitas refeições pequenas por dia ao invés de poucas refeições grandes. Ora, se o corpo só consegue sintetizar uma pequena quantidade de proteínas de cada vez, não faz sentido consumir toda a sua proteína diária de uma vez só.
Pois é, acontece que tem um problema bem grande com esses estudos, e ao tudo indica é possível sim aproveitar muito mais do que 40g de proteína por refeição.
Como surgiu esse limite de 25g ou 40g de proteína por refeição?
Até dezembro de 2023, parecia existir um consenso entre os cientistas. Não em relação à quantidade máxima de proteína por refeição, já que esse número variava bastante entre os estudos – mas sim justamente quanto à ideia de existir um limite máximo de proteína que o corpo consegue aproveitar para a formação de massa muscular.
Bom, se você tá treinando com uma boa frequência, chegando próximo da falha e descansando o suficiente, basicamente você criou o ecossistema perfeito pra que o seu corpo aproveite o máximo possível da proteína de cada refeição, certo?
Mesmo assim, a maioria desses estudos acabavam chegando a um teto – um limite máximo de proteína que que seu corpo consegue aproveitar de cada vez. Alguns estudos citavam que o limite de proteína por refeição seria cerca de 20g, e outros chegavam aos 40g.
Este estudo do Brad Schoenfeld chegou a um outro número interessante: 0.4g de proteína por quilo de peso corporal por refeição. Então se você pesa 70 kg, deveria consumir no máximo 28 gramas de proteína de cada vez – e qualquer quantidade acima disso por refeição seria de certa forma um desperdício, já que seu corpo não seria capaz de sintetizar isso em músculos.
Por que o corpo iria desperdiçar proteínas?
Os limites de síntese de proteínas encontrados nesses estudos são muito baixos e diferem totalmente do que encontramos em outros animais. Algumas espécies de cobras, por exemplo, conseguem fazer uma refeição de cerca de 25% do seu peso corporal de uma só vez – e mesmo assim têm a capacidade de sintetizar 95% das proteínas consumidas.

Por que então o corpo humano iria simplesmente queimar essas proteínas adicionais e sintetizar só 40g? Não faz o menor sentido, principalmente quando pensamos em como era a vida alguns milênios atrás…
A proteína era simplesmente o macronutriente mais difícil de ser conquistado pelo homem, ainda mais antes do surgimento da pecuária.
Hoje em dia é fácil organizar sua dieta pra fazer 5 ou 6 refeições por dia, usando carne, ovos, leite ou whey protein em cada refeição pra bater sua quantidade de proteínas diárias.
Agora imagina que você é um homo sapiens vivendo 18 mil anos atrás – dependendo das plantas e da caça pra não morrer de fome.
Você, como um habilidoso caçador, sai com os membros da sua tribo pra procurar comida e encontra um mamute enorme. Vocês se juntam e travam uma batalha violenta com o animal usando lanças e arco e flechas, gastando muita energia pra matar esse gigante que agora vai servir pra alimentar a sua tribo inteira.
É óbvio que você vai querer um pedaço enorme desse mamute só pra você, né? Afinal você é o único maluco da sua tribo que faz flexão e levantamento de pedra, então com certeza vai precisar de mais carne que os outros.
Agora, imagina se você comesse 1 kg de carne desse mamute que você quase morreu para conseguir caçar – e mesmo assim o seu corpo sintetizasse só 40g dessas proteínas e simplesmente desperdiçasse o restante?
Não parece muito inteligente, né? O nosso corpo não deveria ter uma forma mais eficiente de tratar toda essa proteína adicional?
Pensando de forma lógica, seria mais interessante que o corpo conseguisse aproveitar uma porção bem maior dessa proteína ao longo das próximas horas, principalmente porque essa refeição aconteceu logo depois de um grande desgaste muscular.
O Estudo de Jorn Trommelen: O corpo pode sintetizar muito mais proteína por refeição do que pensávamos

É aí que entra um estudo publicado em dezembro de 2023, que resolveu colocar à prova essa ideia de que o corpo que não consegue utilizar mais do que 40g de proteína em cada refeição pro aumento de massa muscular.
De forma resumida, o principal problema dos estudos anteriores é que eles só analisavam o impacto do consumo das proteínas nas primeiras 6 horas após a refeição.
Dessa forma, a maioria dos estudos acabava chegando à conclusão de que consumir quantidades altas de proteína de uma só vez acabava gerando uma síntese de proteína praticamente igual ao consumo de 25g ou 40g.
De fato, pelo que foi observado, durante essas primeiras 6 horas parece que não faz tanta diferença se você comeu um boi inteiro ou se comeu só 40g de proteína em duas doses de whey – o aproveitamento real dessa proteína vai ser muito parecido nos dois casos.
Mas o que a gente acabou de descobrir é que, assim como acontece com as cobras, o nosso corpo também é capaz de continuar sintetizando essa proteína adicional por muito mais tempo – criando uma resposta anabólica bem maior do que ao consumir 25 ou 40 g de proteína.
Quem fez essa descoberta foi o holandês Jorn Trommelen, que junto com a sua equipe resolveu estudar mais a fundo a capacidade de síntese de proteínas para a finalidade de ganho muscular.
Os dois pontos principais desse estudo que fizeram com que ele desse um resultado totalmente diferente dos anteriores foram esses:
Em que momento a proteína deve ser consumida para a síntese máxima?
Primeiro, o momento de consumo da proteína. Os participantes desse estudo fizeram a ingestão de proteína logo após um treino de musculação, ou seja, uma refeição pós treino, o que aumenta a capacidade do corpo de utilizar o máximo da proteína para a hipertrofia.
Por quanto tempo a síntese de proteína acontece?
E em segundo lugar e mais importante, nesse estudo eles conseguiram avaliar a síntese de proteína e a resposta anabólica do corpo, ou ganho de massa, por mais de 12 horas da refeição pós treino – diferente dos estudos anteriores que só conseguiam medir as primeiras 4 ou 6 horas.
Acontece que Trommelen mostrou que é justamente na segunda metade dessas 12 horas que o consumo de quantidades altas de proteína faz diferença.
Pra deixar essa descoberta um pouco mais visual, vou pegar os gráficos publicados dentro do estudo do Trommelen.

Esse primeiro gráfico foi feito pra ilustrar como era o pensamento anterior, ou seja, aquela ideia de que não valia a pena consumir uma quantidade alta de proteína de uma só vez.

Já o novo gráfico mostra que ao consumir uma quantidade alta de proteína – 100g no caso desse estudo – o corpo continua em processo de anabolismo ou ganho de massa muscular por muito mais tempo do que ao consumir uma quantidade menor.
Esse gráfico é interessante porque ele ilustra muito bem a confusão dos estudos anteriores. Você pode ver que nas primeiras horas após a refeição, não existe uma diferença tão grande na hipertrofia para o consumo alto e o consumo baixo de proteínas
Como os estudos anteriores mediam somente essas primeiras horas, é normal que tenham chegado à conclusão errada de que consumir mais do que 25g ou 40g seria um desperdício.
A diferença é que, passadas essas primeiras horas, o consumo de 25g simplesmente para de gerar resposta anabólica, enquanto o consumo de 100g continua por pelo menos doze horas – ao contrário do que era divulgado.
O que isso significa na prática?
Como resultado lógico desse estudo, podemos entender que não tem tanta diferença entre dividir o seu dia em várias refeições pequenas ou fazer poucas refeições grandes – principalmente se a maior parte da sua proteína diária for consumida no pós-treino.
Como você deveria distribuir o seu consumo de proteína durante o dia?
Isso vai contra quase tudo que a gente sabia sobre o consumo de proteína. Se você for hoje a um nutricionista e pedir uma dieta para hipertrofia, com certeza ele vai dividir o seu consumo diário de proteína em 5 ou 6 refeições diárias.
Não que tenha algo errado com esse tipo de distribuição, mas agora a gente já sabe que você pode muito bem consumir a maior parte da proteína de uma só vez – gerando uma resposta anabólica bem mais prolongada – desde que esse consumo maior seja na sua refeição pós-treino.
O lado positivo desse novo estudo é mostrar que temos muito mais liberdade para organizar o nosso consumo de proteína ao longo do dia – sem necessidade de dividir obrigatoriamente em mais de 5 ou 6 refeições por dia.