Se você já se perguntou como surgiu a ideia de usar hormônios para ganho de força e rejuvenescimento, saiba que os estudos sobre testosterona começaram de forma surpreendente e, muitas vezes, bizarra. Desde experimentos envolvendo testículos de animais até a síntese moderna em laboratório, a história da testosterona é marcada por descobertas revolucionárias e controvérsias.
Se você preferir, pode assistir ao vídeo completo sobre o Experimento que pode ser considerado o primeiro ciclo de testosterona da história.
Testosterona ao longo da história
A testosterona só foi sintetizada em 1935, mas isso não significa que ela já não fosse objeto de pesquisa há muito tempo.
Até o ano de 1905, os cientistas não sabiam nem sequer o que era um hormônio, porém já havia um consenso entre filósofos e cientistas, há centenas de anos, de que havia alguma substância nos testículos que era responsável pelas características masculinas, virilidade, força física e até juventude na maioria dos seres vivos.
Existem registros que datam desde os tempos de Hipócrates, no século IV a.C., que faziam uma associação entre os testículos e essas características nos homens.
A fonte da juventude está nos testículos – o estudo do Dr. Brown-Séquard
No século XIX, alguns cientistas já desconfiavam o testículo continha uma substância que seria algo como uma verdadeira fonte da juventude, e que com a tecnologia correta seria possível utilizar essa substância para trazer de volta a força física, a virilidade e até mesmo a juventude de volta aos mais idosos.
Foi com isso em mente que Dr. Brown-Séquard, um cientista britânico e francês, iniciou uma série de estudos envolvendo o sêmen de animais – utilizando principalmente algumas raças de cachorros e de porquinhos-da-índia.
A hipótese testada pelo Dr. Brown-Sequard era a seguinte: se ele pudesse injetar o sêmen, de forma segura, na corrente sanguínea de uma pessoa mais idosa, ele poderia reverter o processo de envelhecimento e trazer a juventude de volta para a pessoa. Brown-Séquard estava, de fato, determinado a comprovar a existência da “energia vital masculina” associada aos testículos.
Para isso, ele começou a coletar sêmen de cachorros mais jovens e aplicar na corrente sanguínea de cães mais idosos, buscando observar algum ganho de saúde ou vigor física para estes animais mais velhos.
Esses estudos não apenas mostraram a obsessão de Brown-Séquard por entender e manipular os processos biológicos do corpo, mas também foram um marco inicial no estudo dos hormônios, ainda que os conceitos de “hormônio” e “endocrinologia” não existissem formalmente à época.
Porém, como você deve ter desconfiado, esses testes acabaram não dando certo.
A ideia ousada do Dr. Brown Séquard: injeção de fluido testicular
Entretanto, mesmo com o insucesso desses testes nos animais, o Dr. Brown-Séquard foi além.
Agora, ao invés de fazer uma injeção do sêmen, Dr. preparou um fluido utilizado testículos triturados de cachorros para injetar em si mesmo. Sim, por mais absurdo que isso possa parecer, ele tinha tanta confiança no poder de rejuvenescimento dos testículos que resolveu aplicar esse fluido em si mesmo.
Esse processo de preparação e aplicação do fluido testicular foi documentado neste artigo do ano de 1889:
A primeira aplicação de Testosterona: Os efeitos do Experimento com fluido testicular de animais
Bom, mas o que aconteceu com o Dr. Brown-Séquard depois dessas injeções? Será que um experimento tão rudimentar poderia realmente trazer os resultados extraordinários que ele esperava?
A resposta, pelo menos segundo o próprio Brown-Séquard, foi surpreendente. Em seu artigo original, ele documentou uma série de benefícios que alegou ter experimentado, todos relacionados a uma melhora notável em sua força, saúde e vigor físico.
Agora, imagine o contexto: estamos falando de um homem que, na época, já havia ultrapassado os 70 anos, em uma era onde a expectativa de vida era significativamente menor. Ele já enfrentava sinais claros de envelhecimento avançado, como fadiga crônica, perda de força e dificuldades para realizar tarefas que antes eram simples.
Benefícios das injeções de testosterona de Brown-Séquard
Mas, segundo Brown-Séquard, tudo isso começou a mudar depois das injeções. Ele descreveu um renascimento, como se uma energia há muito adormecida tivesse sido despertada em seu corpo.
No artigo, Brown-Séquard destacou alguns dos principais pontos que considerou evidências do sucesso de seu experimento. Por exemplo, ele relatou que antes das injeções, não conseguia permanecer em pé por mais de 15 minutos consecutivos sem sentir um cansaço extremo. Após o tratamento, no entanto, ele disse que podia trabalhar em pé por horas, sem sinais de exaustão.
Outro benefício que ele mencionou foi a melhora na capacidade de realizar funções corporais básicas. Ele observou que suas idas ao banheiro, que antes eram marcadas por dificuldade e esforço, se tornaram mais fáceis e confortáveis. Para Brown-Séquard, essa mudança simbolizava uma revitalização dos sistemas internos do corpo, algo que ele acreditava ser um sinal claro de rejuvenescimento.
Além disso, Brown-Séquard relatou que sua força física e até mental também haviam aumentado. Ele mencionou que agora conseguia e realizar tarefas físicas que antes eram impossíveis. Sua capacidade de concentração e habilidades intelectuais voltaram aos níveis que ele tinha na juventude.
De forma resumida, estes foram os pontos que o Dr. menciona no artigo:
- Aumento da capacidade física e intelectual. Aos 72 anos de idade, o Dr. já não conseguia ficar mais do que alguns poucos minutos em pé. Agora, após as “aplicações de testosterona”, ele diz que passou a ficar em pé trabalhando por horas, sem dificuldades.
- Melhoria na função intestinal: Ele destacou um avanço na qualidade das evacuações, que passaram a ser realizadas com mais facilidade.
- Força ao urinar: Relatou que o jato de urina se tornou mais potente, comparando-o à vitalidade da juventude. Segundo ele, o jato ficou tão forte que chegava a molhar a parede. (sim, isso está no artigo).
Parece bom demais para ser verdade, né?
Evolução nos estudos com Testosterona
Ao longo das décadas, os estudos acerca dos hormônios foram evoluindo, até o ponto em que os cientistas conseguiram, em 1935, realizar a síntese de testosterona em laboratório pela primeira vez.
Além de render um prêmio Nobel para os pesquisadores envolvidos, essas pesquisas sobre a testosterona acabaram servindo também para uma outra finalidade. Elas mostraram que, apesar do enorme impacto que teve na época, essa aplicação de fluido testicular feita pelo Dr. Brown Sequard não serviu para absolutamente nada, e os benefícios relatados por ele foram, na verdade, puramente efeito placebo.
Revisão Crítica do Experimento de Brown-Séquard
Com o avanço da ciência, experimentos posteriores foram realizados para avaliar a validade das afirmações de Brown-Séquard. Para ilustrar melhor essas análises aos estudos do Dr. Brown-Séquard, eu escolhi este artigo de 2002 – que replicou os procedimentos realizados pelo Dr. Brown-Séquard na época.
Eu criei um grupo para no whatsapp para compartilhar conhecimento sobre musculação com foco em ganho de força e hipertrofia. Se você quiser participar, é só entrar aqui.
Nesse estudo, os cientistas seguiram a receita original de Brown-Séquard para analisar a concentração de testosterona no “mingau de testículo”, aquele fluido testicular que o Dr. preparou com os testículos de animais.
O resultado foi revelador: cada injeção continha apenas 112 nanogramas de testosterona.
Contextualização dos Dados. O que isso significa?
- Dose irrelevante: Essa quantidade de testosterona é extremamente baixa para provocar efeitos significativos. Para se ter uma ideia, seria necessário aplicar mais de 53 mil injeções diárias para atingir os níveis equivalentes à reposição de testosterona. Um homem normal produz, em média, 5 mg de testosterona.
- Problema de solubilidade: Outro ponto crítico foi o método de diluição utilizado por Brown-Séquard. A testosterona é lipossolúvel e não se mistura adequadamente com água, comprometendo ainda mais sua eficácia.
Apesar dos efeitos benéficos que o Dr. Brown-Séquard reportou à época, as doses que ele utilizou foram tão baixas que nenhum dos efeitos mencionados por ele seriam possíveis.
Aplicação de “testosterona” e o Efeito Placebo
Estudos modernos sugerem que os benefícios relatados por Brown-Séquard podem ser atribuídos integralmente ao efeito placebo. O impacto psicossomático de acreditar na potência da “energia vital masculina” foi suficiente para gerar melhoras percebidas em sua saúde.
Apesar de cientificamente falho e com resultados extremamente questionáveis, o experimento de Brown-Séquard foi crucial para despertar o interesse global nos estudos sobre hormônios, especialmente a testosterona. Ele pavimentou o caminho para avanços significativos na endocrinologia.
Vale refletir que, mesmo que Brown-Séquard fosse um um renomado cientista, ainda assim ele foi fisgado por um viés de confirmação na sua pesquisa e foi completamente enganado pelo efeito placebo. Portanto, é bom ter cuidado ao atribuir benefícios de saúde e força física a fatores como suplementação e até mesmo hormônios, já que podemos ser facilmente enganados pelo nosso próprio cérebro.
Antes de pensar em aplicar de testosterona…
Amigo, se você cheogu até aqui porque tem interesse em fazer uma reposição de testosterona buscando fins estéticos e de força física, eu te convido a mudar de ideia e buscar uma solução menos lesiva para o que você buscar.
Eu conheço pessoas que treinam há pouco tempo e buscam nos hormônios um caminho mais fácil para chegar ao shape dos sonhos – antes mesmo de ajustar outros pontos importantíssimos como o treino e a dieta.
Então, bom, a minha sugestão é que você aprenda a treinar da forma correta, usando a ciência, e esqueça o uso de hormônios para fins estéticos.
