Conexão Mente-Músculo: Pensar No Músculo Causa Mais Hipertrofia?

Já imaginou utilizar o poder da mente para aumentar a eficácia dos seus treinos e melhorar a hipertrofia muscular? Se você é novo no mundo da musculação, isso pode parecer um conceito esotérico, quase mágico. No entanto, se você já está familiarizado com o universo do treinamento e da hipertrofia, é possível que tenha ouvido falar da conexão mente-músculo. Neste artigo, vamos explorar em profundidade o que é essa conexão, como ela pode impactar seu treino e o que a ciência realmente tem a dizer sobre o assunto.

Eu também criei uma versão resumida deste artigo no Google Documentos. Você pode acessar aqui.

O Conceito de Conexão Mente-Músculo

O Que é a Conexão Mente-Músculo?

A conexão mente-músculo é um conceito popular no mundo do fisiculturismo e da musculação que sugere que pensar no músculo que está sendo trabalhado pode aumentar a sua ativação e, consequentemente, promover um maior crescimento muscular. A ideia é simples: ao pensar no músculo durante um exercício, você pode melhorar a eficácia do movimento e otimizar os resultados do treino.

conexão mente músculo

Essa técnica foi popularizada nos anos 70 por figuras icônicas do fisiculturismo, como Arnold Schwarzenegger, que acreditavam que a concentração mental poderia ter um impacto significativo na hipertrofia muscular. Apesar de parecer um conceito quase sobrenatural, a ideia de usar a mente para potencializar os treinos tem raízes profundas na prática do fisiculturismo.

O Princípio da Conexão Mente-Músculo

Quando você realiza um exercício de musculação, o objetivo é gerar tensão nos músculos envolvidos para estimular o crescimento e a adaptação. A teoria por trás da conexão mente-músculo é que, ao focar sua atenção mental no músculo que está sendo trabalhado, você pode direcionar mais energia para esse músculo específico, melhorando sua ativação e potencialmente promovendo um crescimento mais rápido.

Em outras palavras, ao se concentrar mentalmente na musculatura que está sendo ativada durante um exercício, como o peitoral durante o supino, você pode melhorar a eficiência do movimento e aumentar a intensidade do treino.

O Que A Ciência Diz Sobre a Conexão Mente-Músculo?

A conexão mente-músculo tem sido um tema de debate no mundo da musculação. Por um lado, muitos atletas e treinadores juram pelos benefícios dessa técnica. Por outro lado, a base científica que sustenta a eficácia dessa abordagem é limitada e, em alguns casos, contraditória. Vamos analisar como a ciência tem abordado a conexão mente-músculo e se ela realmente oferece benefícios significativos.

Estudos Científicos Sobre a Conexão Mente-Músculo

Estudo de Joaquin Catalayud (2016)

Em 2016, o pesquisador espanhol Joaquin Catalayud conduziu um estudo para investigar se a conexão mente-músculo poderia aumentar a ativação do peitoral durante o supino. O objetivo era verificar se a concentração mental no músculo-alvo poderia levar a uma maior ativação das fibras musculares desse músculo específico.

Metodologia

O estudo envolveu 13 homens com experiência em musculação, que realizaram o exercício de supino de três formas diferentes:

  1. Supino Sem Instruções Adicionais: Os participantes realizaram o exercício sem nenhuma instrução específica, utilizando cargas leves e pesadas.
  2. Supino Focando no Peitoral: Os participantes foram instruídos a levantar a carga tentando usar apenas a musculatura do peitoral.
  3. Supino Focando no Tríceps: Os participantes foram instruídos a levantar a carga tentando usar principalmente a musculatura do tríceps.

Resultados

O estudo revelou que, com cargas muito leves (até 60% da repetição máxima), a conexão mente-músculo resultou em uma maior ativação do peitoral. No entanto, quando as cargas aumentaram para 80% da repetição máxima, a técnica de concentração mental não fez diferença significativa na ativação muscular. Isso sugere que a conexão mente-músculo pode ter algum efeito positivo com cargas baixas, mas sua eficácia diminui à medida que a carga aumenta.

Estudo de Catalayud Sobre Velocidade das Repetições (2018)

Catalayud também conduziu um estudo em 2018 para investigar o impacto da velocidade das repetições na eficácia da conexão mente-músculo. Neste estudo, os participantes realizaram o supino com duas velocidades diferentes: controlada (2 segundos para subir e 2 segundos para descer) e explosiva (levantando a barra o mais rápido possível).

Metodologia

Os participantes realizaram o supino com foco no peitoral ou no tríceps, em condições de velocidade controlada e explosiva.

Resultados

O estudo demonstrou que, quando as repetições eram feitas de forma explosiva, mesmo com cargas leves, a conexão mente-músculo não teve impacto na ativação do músculo. Isso sugere que, em situações de alta velocidade, a técnica de concentração mental não é eficaz para aumentar a ativação muscular. O corpo utiliza o máximo de fibras musculares necessárias para realizar o movimento explosivo, independentemente do foco mental.

Pelo que vimos nestes dois primeiros estudos, parece que a Conexão Mente-Músculo até que pode funcionar se estivermos lidando com cargas muito baixas e repetições lentas. Quando aumentamos a carga ou a velocidade das repetições, já não faz mais tanto sentido pensar no músculo – visto que a ativação muscular não vai ser tão impactada.

Porém, nestes dois estudos os participantes fizeram somente 4 repetições – muito longe da falha muscular. E o que será que aconteceria se as séries fossem levadas até a falha?

Foi isso que um grupo de pesquisadores brasileiros resolveu investigar em 2019:

Estudo de Fujita – Séries até falha (2019)

Um estudo brasileiro realizado em 2019 investigou o impacto da conexão mente-músculo na ativação da musculatura dorsal durante a remada supinada em séries levadas até a falha muscular. Os participantes foram divididos em dois grupos: um grupo recebeu instruções para focar apenas no músculo dorsal, enquanto o outro grupo executou o exercício normalmente.

conexão mente-músculo

Principais Resultados:

  • Primeiras Repetições: O grupo que focou mentalmente no músculo dorsal teve uma maior ativação nas primeiras repetições da série.
  • Séries Próximas da Falha: À medida que a série progrediu e se aproximou da falha muscular, a diferença na ativação do músculo diminuiu.

Esse estudo sugere que a conexão mente-músculo pode ter algum efeito nas primeiras repetições, mas sua eficácia diminui quando a fadiga muscular aumenta. Quanto maior for a proximidade da falha muscular, menor vai ser o impacto da conexão mente-músculo para tentar isolar algum músculo específico.

A Conexão Mente-Músculo Não Funciona?

Até aqui, nenhum dos estudos foi muito positivo para confirmar a importância da Conexão Mente-Músculo. Nos estudos do Dr. Catalayud, o ato de pensar no músculo só funcionou com cargas baixas e sem repetições explosivas – sem falar que as séries não foram levadas até a falha.

Depois, o grupo de pesquisadores brasileiros mostrou que, quando chegamos próximos à falha muscular, a Conexão Mente-Músculo simplesmente deixa de funcionar – visto que com o aumento da fadiga, já não é possível tentar isolar algum músculo em específico durante a realização de um exercício de musculação.

Mas será que não tivemos nenhum estudo que tenha dado um resultado positivo para a Conexão Mente-Músculo? Na verdade, tivemos sim.

Estudo de Brad Schoenfeld (2018)

Brad Schoenfeld realizou um estudo em 2018 para investigar se a conexão mente-músculo poderia promover ganhos adicionais de hipertrofia muscular. O estudo avaliou a hipertrofia do bíceps e do quadríceps em exercícios específicos, medindo o crescimento muscular resultante da técnica de concentração mental.

Metodologia

Os participantes realizaram a rosca direta para o bíceps e a cadeira extensora para o quadríceps, com instruções para focar no músculo-alvo durante os exercícios.

Resultados

O estudo revelou que houve um ganho maior na hipertrofia do bíceps quando os participantes focaram mentalmente no músculo. No entanto, não houve diferença significativa na hipertrofia do quadríceps. Esse resultado sugere que a conexão mente-músculo pode ter um impacto positivo em certos músculos, mas a eficácia pode variar dependendo do exercício e da técnica utilizada.

Críticas e Limitações do Estudo do Dr. Brad Schoenfeld

Até agora, esse seria o primeiro estudo a mostrar de forma clara um ganho adicional de hipertrofia ao se pensar no músculo alvo. Porém, vale mencionar algumas críticas que esse estudo recebeu em toda a comunidade científica.

  1. Escolha dos Exercícios: Alguns estudos utilizaram exercícios isolados que podem não refletir a eficácia da técnica em exercícios compostos ou mais complexos. Ora, você pode perceber que tanto a rosca direta quanto a cadeira extensora já são exercícios isolados para o bíceps e para o quadríceps. Por isso, não faz tanto sentido a escolha destes exercícios para se medir a ativação muscular durante a Conexão Mente-Músculo.
  2. Variedade de Execuções: As diferenças nos métodos de execução e nas instruções dadas aos participantes podem influenciar os resultados e a interpretação dos dados. Na rosca direta, os pesquisadores deram a instrução, para o grupo fora da Conexão Mente-Músculo, de simplesmente levantar a barra. Essa instrução pode ter sido um pouco vaga demais, e permitido uma execução muito pior do que a esperada. Desta forma, o grupo da Conexão Mente-Músculo pode ter tido mais hipertrofia no bíceps pelo simples fato de ter feito uma execução melhor.

As críticas acima foram feitas pelo Greg Nuckols na revista MASS.

Aplicações Práticas da Conexão Mente-Músculo

Quando a Técnica Pode Ser Útil

De acordo com os estudos científicos que tivemos até agora, a conexão mente-músculo pode ser benéfica em situações específicas:

  1. Treinos Leves e Controlados: Em treinos com cargas leves e repetições lentas, a técnica pode ajudar a melhorar a ativação muscular e a execução do exercício.
  2. Reabilitação e Fisioterapia: Para treinos de recuperação ou reabilitação, a conexão mente-músculo pode ser útil para melhorar a execução e ativar o músculo sem sobrecarregá-lo.

Porém, se você treina com foco em hipertrofia, provavelmente o seu treino está longe de ser um treino leve. É importante que ao longo do tempo você tente aumentar as cargas e sempre chegar próximo à falha muscular para ter o máximo possível de ganho de hipertrofia e também de força.

É por isso que, na maioria dos casos, o mais recomendado é que você não pense no músculo durante os exercícios – um foco externo parece ser a melhor escolha. Se concentrar na execução, no movimento que você está fazendo, tentando completar o máximo possível de repetições com uma boa forma – assim, você ativa o máximo possível de fibras musculares sem a necessidade de tentar isolar um músculo.

Dicas para Maximizar Seus Resultados

  1. Foco na Execução: Ao invés de se concentrar exclusivamente na ativação muscular, foque em realizar os movimentos com a melhor execução possível. Uma boa técnica e controle do movimento são essenciais para evitar lesões e promover ganhos de força e massa muscular.
  2. Sobrecarga Progressiva: Para obter resultados duradouros, é crucial seguir o princípio da sobrecarga progressiva. Aumente gradualmente a carga, as repetições e a intensidade do treino para continuar desafiando seus músculos e promovendo o crescimento.
  3. Foco Externo para Ganho de Força: Estudos mostram que o foco externo (concentração na realização do movimento) pode ser mais eficaz para aumentar a força e a performance durante os treinos. Isso pode ser particularmente importante para melhorar a força máxima e o desempenho atlético.

Impacto da Conexão Mente-Músculo na Força

O Papel da Concentração Mental na Força

Assim como vimos que a Conexão Mente-Músculo não vai te ajudar muito no ganho de hipertrofia, parece seu impacto na força muscular também é negativo. Estudos mostram que o foco externo, ao invés do foco interno, é mais eficaz para melhorar a força e a performance atlética.

  1. Foco Externo: Concentração na execução do movimento e no desempenho geral do exercício pode levar a ganhos de força mais significativos. Estudos demonstram que um foco externo ajuda a melhorar a coordenação e a eficiência do movimento, resultando em um melhor desempenho.
  2. Percepção de Dor e Desconforto: Concentração excessiva no músculo durante o exercício pode aumentar a percepção de dor e desconforto, o que pode levar a uma redução na performance e a uma maior sensação de fadiga.

Estudos Sobre Foco Externo vs. Foco Interno

Pesquisas comparando o foco externo e interno mostraram que o foco externo pode resultar em melhores ganhos de força e desempenho. Isso ocorre porque a atenção voltada para o movimento e a técnica, ao invés de para o músculo específico, pode melhorar a coordenação e a eficiência do exercício.

Conclusão

A conexão mente-músculo é um conceito que tem sido discutido e praticado no mundo da musculação há décadas. Embora a ideia de usar a mente para potencializar os treinos possa parecer fascinante, a evidência científica sobre sua eficácia é mista e limitada.

A técnica pode oferecer benefícios em situações específicas, como treinos leves e controlados, e em contextos de reabilitação. No entanto, para a maioria dos treinos, especialmente aqueles que envolvem cargas pesadas e alta intensidade, a eficácia da conexão mente-músculo pode ser limitada.

Para maximizar seus resultados na musculação, é importante focar na execução correta dos movimentos, seguir o princípio da sobrecarga progressiva e adotar estratégias de treinamento que se alinhem com seus objetivos específicos. A conexão mente-músculo pode ser uma ferramenta adicional, mas não deve ser o único fator considerado na busca por ganhos de massa muscular e força.

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Referências

  1. Catalayud, J., et al. (2016). “Effect of mind-muscle connection on bench press performance.” Journal of Strength and Conditioning Research.
  2. Catalayud, J., et al. (2018). “The effect of repetition velocity on muscle activation and hypertrophy with different training modalities.” European Journal of Applied Physiology.
  3. Schoenfeld, B. J., et al. (2018). “Mind-muscle connection and hypertrophy: A systematic review.” Sports Medicine.
  4. Fujita et al (2019). “Mind-Muscle Connection: Limited Effect of Verbal Instructions on Muscle Activity in a Seated Row Exercise”